sexta-feira, 13 de junho de 2008

Eu quero meu sertão de volta!

Por Anselmo Alves (jornalista, cineasta, sertanejo de Serra
Talhada, com larga compreensão do Nordeste).

Nos últimos dez anos tenho viajado freqüentemente pelo
sertão de Pernambuco, e assistido, não sem revolta, a um
processo cruel de desconstrução da cultura sertaneja com
conivência da maioria das prefeituras e rádios do
interior. Em todos os espaços de convivência, praças,
bares e na quase maioria dos shows, o que se escuta é
música de péssima qualidade, que não raro, desqualifica
e coisifica a mulher e embrutece o homem.

O que adianta as campanhas bem intencionadas do governo
federal contra o alcoolismo e a prostituição infantil,
quando a população canta: 'beber, cair e
levantar' ou 'dinheiro na mão e calcinha no
chão'. O que adianta o governo federal criar novas
delegacias da mulher se elas próprias também cantam e
rebolam ao som de letras que incitam à violência sexual?
O que dizer de homens que se divertem cantando: 'vou
soltar uma bomba no cabaré e vai ser pedaço de puta pra
todo lado'. Será que são esses trogloditas que
chegam em casa depois de beber, cair e levantar e surram
suas mulheres e abusam de suas filhas e enteadas? Por onde
andam as mulheres que fizeram o movimento feminista, tão
atuante nos anos 70 e 80, que não reagem contra essa onda
musical grosseira e violenta? Se fazem alguma coisa, tem
sido de forma muito discreta, pois leio os três jornais de
maior circulação no estado todos os dias, e nada encontro
que questione tamanha
barbárie. E boa parte dos meios de comunicação são
coniventes, pois existe muito dinheiro e interesses
envolvidos na disseminação dessas músicas de baixa
qualidade.

E não pensem que essa avalanche de mediocridade atinge
apenas os menos favorecidos da base de nossa pirâmide
social, e com menor grau de instrução escolar. Cansei de
ver (e ouvir) jovens que estacionam onde bem entendem,
escancaram a mala de seus carros exibindo, como pavões
emplumados, seus moderníssimos equipamentos de som e
vídeo na execução exageradamente alta dos cd's e
dvd's dessas bandas que se dizem de forró eletrônico.
O que fazem os promotores de justiça, juizes, delegados que
não coíbem, dentro de suas áreas de atuação, esses
abusos?

Quando Luiz Gonzaga e seus grandes parceiros, Humberto
Teixeira e Zé Dantas criaram o forró, não imaginavam que
depois de suas mortes essas bandas que hoje se multiplicam
pelo Brasil praticassem um estelionato poético ao usarem o
nome de forró para a música que fazem. O que esses
conjuntos musicais praticam não é forró! O forró é
inspirado na matriz poética do sertanejo; eles se inspiram
numa matriz sexual chula! O forró é uma dança alegre e
sensual; eles exibem uma coreografia explicitamente
sexual! O forró é um gênero musical que agrega
vários ritmos como o xote, o baião, o xaxado; eles
criaram uma única pancada musical, que em absoluto, não
corresponde aos ritmos do forró! E se apresentam como
bandas de forró eletrônico! Na verdade, Elba Ramalho e o
próprio Gonzaga já faziam o verdadeiro forró
eletrônico, de qualidade, nos anos 80.

Em contrapartida, o movimento do forró pé-de-serra deixa
a desejar na produção de um forró de qualidade. Na
maioria das vezes as letras são pouco criativas;
tornaram-se reféns de uma mesma temática! Os arranjos
executados são parecidos! Pouco se pesquisa no valioso e
grande arquivo gonzaguiano. A qualidade técnica e visual
da maioria dos cds e dvds também deixa a desejar, e falta
uma produção mais cuidadosa para as apresentações em
geral. Da dança da garrafa de Carla Perez até os dias de
hoje formou-se uma geração que se acostumou com o lixo
musical! Não, meus amigos: não é conservadorismo, nem
saudosismo! Mas não é possível o novo sem os alicerces
do velho! Que o digam Chico Science e o Cordel do Fogo
Encantado, que inspirados nas nossas matrizes musicais,
criaram um novo som para o mundo! Não é possível
qualidade de vida plena com mediocridade cultural,
intolerância, incitamento à violência sexual e ao
alcoolismo!

Escrevendo estas linhas, recordo de minha infância em
Serra Talhada, ouvindo o mestre Moacir Santos e meu querido
tio Edésio em seus encontros musicais, cada um com o seu
sax em verdadeiros diálogos poéticos! Hoje são estrelas
no céu de Pajeú das Flores! Eu quero o meu sertão de
volta!

Um comentário:

Beatriz Provasi disse...

Legal, Ivny! Gostei do blogue! Vou linkar. Beijos!